O grande escritor James Joyce, cujos textos \u00e0s vezes assemelhavam-se a um discurso psic\u00f3tico, teve uma filha
\nesquizofr\u00eanica. Ela tamb\u00e9m come\u00e7ou a escrever textos com falta de estrutura, e Joyce imaginou que os escritos de ambos fossem semelhantes. Certa vez ele mostrou essa produ\u00e7\u00e3o para o psiquiatria Carl Jung, dizendo que ela escrevia o mesmo que ele. No entanto, ap\u00f3s a leitura Jung respondeu, \u201cMas no mar onde voc\u00ea nada, ela se afoga.\u201d<\/p>\n
Estudando dados populacionais de 30 anos na Su\u00e9cia inteira, cientistas conseguiram avaliar nada menos do que trezentas mil pessoas com diagn\u00f3sticos de esquizofrenia, transtorno bipolar e depress\u00e3o, obtendo ainda dados de seus familiares pr\u00f3ximos e distantes, gra\u00e7as \u00e0 extrema organiza\u00e7\u00e3o dos registros m\u00e9dicos e demogr\u00e1ficos suecos.\u00a0O objetivo do estudo era verificar se os pacientes e seus familiares teriam maior probabilidade do que a popula\u00e7\u00e3o geral de trabalhar em profiss\u00f5es criativas (cientistas, escritores, artistas visuais).<\/p>\n
Os resultados apontam que sim. Pacientes esquizofr\u00eanicos e seus filhos n\u00e3o t\u00eam mais chance de seguirem carreiras criativas em geral, mas apresentam maior probabilidade de serem artistas visuais. J\u00e1 seus pais e irm\u00e3os t\u00eam maior tend\u00eancia a todas as carreiras criativas \u2013 exatamente o caso de James Joyce. Com rela\u00e7\u00e3o aos transtorno bipolar, tantos os pacientes como seus parentes engajam-se mais em profiss\u00f5es que exigem criatividade, com um destaque para as ci\u00eancias, mais do que as artes, nos parentes de primeiro grau.<\/p>\n
Essa associa\u00e7\u00e3o que o senso comum faz entre criatividade e loucura, portanto, talvez n\u00e3o seja enganosa. Os contadores e auditores, por exemplo, foram inclu\u00eddos no estudo como exemplo de profiss\u00e3o n\u00e3o criativa (talvez isso fosse um pouco diferente no Brasil, mas enfim) e nem os pacientes ou seus familiares apresentaram qualquer associa\u00e7\u00e3o com essas carreiras.<\/p>\n
Vale ressaltar que n\u00e3o s\u00e3o os sintomas que fazem com que a pessoa fique criativa. Para os depressivos, por exemplo, n\u00e3o foi encontrada rela\u00e7\u00e3o com criatividade, ao contr\u00e1rio do que imaginou Vinicius de Moraes no seu poema \u201cA um passarinho\u201d \u2013 Para que vieste\/ Na minha janela\/ Meter o nariz?\/ Se foi por um verso\/ N\u00e3o sou mais poeta\/ Ando t\u00e3o feliz!(\u2026). \u00c9 algo al\u00e9m da doen\u00e7a em si que cria essa tend\u00eancia.<\/p>\n
O que ocorre \u00e9 que esses diagn\u00f3sticos n\u00e3o s\u00e3o categorias do tipo \u201ctudo ou nada\u201d, ou totalmente bipolar, ou totalmente \u201cnormal\u201d. Antes, s\u00e3o varia\u00e7\u00f5es da normalidade, com graus distintos de express\u00e3o de sintomas. Provavelmente, graus mais leves de acelera\u00e7\u00e3o mental, ou mesmo de capacidade de fantasiar distanciando-se da realidade, s\u00e3o vantajosos para carreiras criativas. Mas esses tra\u00e7os podem se somar de maneira excessiva em alguns indiv\u00edduos, levando a sintomas prejudiciais e dando origem ent\u00e3o um transtorno mental.<\/p>\n
Essa \u00e9 uma das principais teorias que explica porque essas doen\u00e7as, que t\u00eam forte componente gen\u00e9tico, apresentam uma preval\u00eancia est\u00e1vel na popula\u00e7\u00e3o: at\u00e9 certa intensidade, s\u00e3o tra\u00e7os vantajosos. Passar do ponto em alguns casos \u00e9 um risco que a evolu\u00e7\u00e3o parece que optou por aceitar.<\/p>\n
Kyaga, S., Lichtenstein, P., Boman, M., Hultman, C., Langstrom, N., & Landen, M. (2011). Creativity and mental disorder: family study of 300 000 people with severe mental disorder The British Journal of Psychiatry, 199 (5), 373-379 DOI: 10.1192\/bjp.bp.110.085316<\/p>\n
Por Daniel Martins de Barros<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"